Economia

Cenário mais adverso deve dificultar avanços expressivos da economia brasileira em 2022

O ano de 2022 se iniciará com perspectivas econômicas pouco favoráveis tanto para o Brasil, quanto para o mundo. Os principais indicadores econômicos devem encerrar 2021 apresentando resultados que podem impactar negativamente o desempenho da economia brasileira no próximo ano.

Um dos principais desafios será o controle inflacionário. A inflação ao consumidor, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), avançou fortemente em 2021 e acabou disseminada por toda a cesta de bens e serviços composta pelo índice, corroendo o poder de compra das famílias. Mesmo com a perspectiva de arrefecimento, o IPCA deve encerrar 2022 acima da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 3,50% ao ano (a.a.), mas ainda dentro do intervalo de tolerância estipulado. Na expectativa do Boletim Focus, o índice deve fechar, no próximo ano, em 5,02%.

Importante ressaltar que o controle inflacionário, em 2022, dependerá em grande medida da redução dos custos dos insumos – ação esta de difícil alcance, tendo em vista o cenário de persistência da desestruturação das cadeias produtivas e gargalos de infraestrutura e logística – e da continuidade do aperto monetário via aumento da taxa básica de juros (Selic), que impactará negativamente a tomada de crédito para o consumo e para o investimento. Na última expectativa de mercado divulgada até a elaboração deste documento, a projeção para a Selic no encerramento de 2022 é de 11,25% a.a.

O mercado de trabalho também merecerá atenção em 2022. A criação de novos postos em 2021 viabilizou uma recuperação apenas parcial da perda de vagas ocorrida na crise sanitária. O número de pessoas ocupadas (formais e informais) ainda se encontra abaixo do período pré-pandemia. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, há 2 milhões a menos de empregados entre o trimestre móvel encerrado em setembro de 2021, último dado disponível, e em igual período de 2019.

Adicionalmente, o número de desocupação deve aumentar em 2022 em razão do retorno de parte do contingente de desalentados ao mercado de trabalho e do fim do período de estabilidade assegurado pela segunda fase do programa de Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm). Em 2021, foram assinados mais de 3,2 milhões acordos entre os trabalhadores e as empresas por meio do programa, entre abril e agosto. Como contrapartida à adesão ao programa, o período de suspensão ou redução de contrato de trabalho garantia um período equivalente de estabilidade ao empregado. Assim, uma parte dos trabalhadores beneficiados perderá a estabilidade no próximo ano e poderá ser dispensada, caso o desempenho da atividade econômica seja insuficiente para a manutenção de todos os empregos.

Com a inflação elevada e o mercado de trabalho ainda em recuperação, o consumo das famílias, que tradicionalmente cumpre o papel de motor do PIB brasileiro, deverá, assim como tem ocorrido em 2021, ter uma contribuição reduzida para o crescimento do país, mesmo considerando a injeção de recursos prevista pelo novo programa social do governo federal, o Auxílio Brasil.

O governo tem apostado na formação bruta de capital fixo como alavanca da economia, considerando as reformas microeconômicas aprovadas nos últimos anos, que buscam facilitar o ambiente de negócios e incentivar o investimento privado, com destaque para a Lei do Agro, a transação tributária e as concessões, com o novo marco legal do saneamento e das ferrovias. O investimento privado, entretanto, depende também do financiado produtivo e da confiança dos agentes em relação ao desempenho da economia.

Com a perspectiva de aumentos adicionais da taxa básica de juros, o custo de capital concedido pelas instituições financeiras também se elevará. Além disso, por indexar uma parte da remuneração da dívida pública, o aumento da Selic distorce a competitividade do financiamento produtivo via mercado de capitais, dada a maior atratividade dos títulos públicos.

Nesse cenário, e considerando a necessidade de comprometimento com a política fiscal para ancorar a expectativa dos agentes econômicos e aumentar a eficiência da política monetária no combate à inflação, a contribuição do investimento privado para o crescimento econômico em 2022 também pode ser prejudicada.

A sustentabilidade da dívida pública tem sido tema de forte debate nos últimos meses de 2021. Em agosto, o governo federal apresentou a PEC nº 23/2021, que promove mudanças no arcabouço legal das regras fiscais. A PEC prevê alteração no indexador do teto de gastos, instituído pela Emenda Constitucional nº 95/2016 a fim de limitar os gastos da União à correção inflacionária sobre o montante de 2020; além disso, prevê também alteração na regra de ouro, permitindo que o governo possa se endividar para financiar despesas correntes sem a necessidade de autorização prévia do Congresso Nacional, como ocorre atualmente. Além disso, estabelece a mesma regra de limitação do teto para os precatórios (dívidas judiciais do governo federal).

Os principais objetivos da PEC nº 23/2021 são acomodar o crescimento significativo das despesas com precatórios e abrir espaço fiscal para custear os R$ 400 do novo benefício social temporário, o Auxílio Brasil, para 17 milhões de famílias. Segundo o último Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, com a mudança prevista na regra de cálculo do teto, haveria uma margem extra de R$ 47,6 bilhões no orçamento de 2022, considerando uma correção de 8,74% no IPCA para o novo limite. O adiamento de parte dos R$ 89,1 bilhões dos precatórios, que estavam previstos para serem integralmente pagos em 2022, garantiria mais R$ 45,4 bilhões. Juntas, as alterações resultariam em um espaço fiscal adicional de R$ 93 bilhões para o governo ampliar suas despesas.

Ressalte-se que o governo vem se comprometendo com outros gastos, que também podem impactar as contas públicas no próximo ano. Entre eles, destacam-se: a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos, estimada pela IFI em R$ 6 bilhões; o auxílio-diesel de R$ 400 mensais a cerca de 750 mil caminhoneiros até o fim de 2022 (R$ 3,6 bilhões); o auxílio-gás a cerca de 2 milhões de família (R$ 600 milhões); além de outras possíveis despesas que estão em debate no Congresso Nacional.

Toda essa discussão em torno do arcabouço legal das regras fiscais e dos possíveis aumentos de gastos em 2022 tem provocado perda de confiança dos agentes econômicos e instabilidade no mercado de capitais pela perspectiva de deterioração do cenário fiscal. A perda da credibilidade já tem se refletido no aumento da remuneração exigida pelo mercado nas operações com títulos públicos, fato corroborado pelo “empinamento” da curva de juros.

O aumento da taxa Selic como política monetária de combate à inflação acaba cobrindo parte dessa exigência por um maior prêmio de risco. Ao mesmo tempo, porém, o aumento dos juros impacta o estoque de dívida pública já contratada, o que acaba afetando a própria sustentabilidade da dívida. Essa dinâmica pode ser ainda mais afetada em 2022, com a previsão de aumento dos juros básicos norte-americanos, que demandará uma elevação ainda maior dos juros domésticos.

Na expectativa do mercado, medida pelo Boletim Focus, o câmbio permanecerá em patamar valorizado, devendo chegar ao final de 2022 em R$ 5,55/US$ 1. O Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer apenas 0,51%, ante o crescimento de 4,71% em 2021. Cabe ressaltar, entretanto, que parte significativa do crescimento de 2021 é explicada pela base de comparação, o chamado carregamento estatístico.

As previsões para outros indicadores de atividade do setor agropecuário também refletem as possíveis repercussões do cenário econômico mais adverso sobre o país no próximo ano. O PIB do Agronegócio (de acordo com o Cepea-Esalq/USP e a CNA) deverá apresentar aumento entre 3% e 5%, portanto, abaixo do crescimento visto em 2021.

Segundo as estimativas do Cepea e da CNA, ao contrário do ocorrido em 2021, o PIB do Agronegócio deverá ter como maior influência para o seu crescimento a quantidade produzida, sem a perspectiva, até o momento, de intempéries climáticas que afetem o setor de forma tão expressiva como a ocorrida este ano. Ainda que problemas climáticos pontuais sejam esperados, deve-se ter bons resultados na maioria das atividades agropecuárias em 2022. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), é esperada uma nova safra recorde de grãos em 2022, com expansão esperada da área plantada de 4,1%, o que aponta para um aumento de 14,7% na produção.

Ressalte-se, no entanto, que a demanda doméstica será prejudicada pelo mercado de trabalho ainda deteriorado e pela economia em fraca recuperação, o que pode reprimir a demanda por culturas consumidas exclusiva ou majoritariamente pelo mercado interno.

Em relação à pecuária, os valores domésticos devem se manter elevados devido à taxa de cambio em alto patamar e ao repasse de custos de produção. O volume produzido deve ser alavancado pela demanda internacional, ainda impulsionada pelas políticas de estímulo monetário e fiscal em todo o mundo.

Na agropecuária (dentro da porteira) e nas agroindústrias, a expectativa é de que os custos de produção se mantenham altos em 2022. No primeiro caso, a pressão continuará vindo dos preços dos fertilizantes, dos defensivos, das máquinas e dos medicamentos veterinários, ainda sem perspectiva de queda. Na agroindústria, pesará a inflação sobre o produtor, com destaque para os maiores preços dos combustíveis e da energia e para a continuidade dos gargalos logísticos devido, principalmente, aos problemas de produção em países fornecedores de insumos e à escassez de contêineres.

Quanto ao Valor Bruto da Produção (VBP) agropecuária, a expectativa da CNA é que o VBP atinja R$ 1,25 trilhão em 2022, crescimento de 4,2%, quando comparado ao de 2021. A agricultura deverá crescer 5,8%, com faturamento esperado de R$ 838,4 bilhões, enquanto a pecuária deve apresentar crescimento de 1,1%, alcançando o faturamento de R$ 410,6 bilhões. Os bons resultados são alavancados por aumento nas produções de café, milho e trigo. Os preços de algumas culturas serão maiores em 2022. Isto ocorrerá com a cana-de-açúcar, o café e o algodão. A soja deverá liderar o ranking com as variações negativas do VBP, mas devem ocorrer quedas também na carne bovina e no arroz.