Economia
ACELERAÇÃO DA INFLAÇÃO E ELEVAÇÃO DOS JUROS MARCAM O ANO DE 2021
O Brasil chegou a 2021 com muitos desafios e expectativas. Por um lado, carregava as consequências da crise pandêmica sobre a população e sobre a economia, assim como o peso dos custos financeiros e fiscais do controle da calamidade pública. Por outro lado, trazia a esperança da contenção da doença, da retomada à normalidade – com o retorno presencial ao trabalho, às escolas, ao lazer – e da recuperação da economia.
Logo no começo do ano, o recrudescimento da pandemia parecia mais uma vez ameaçar o processo de consolidação fiscal interrompido em 2020, dado que a segunda onda da covid-19 demandava a continuidade de parte das ações de suporte do governo federal no enfrentamento da crise, como foi o caso do auxílio emergencial. Contudo, o início da vacinação, no segundo trimestre do ano, promoveu o retrocesso gradual da doença, permitindo a redução significativa dos gastos públicos, em comparação com os de 2020.
Além da contenção das despesas, o aumento das receitas, na esteira da recuperação da atividade econômica, começou a redesenhar a trajetória das contas públicas do país, garantindo a convergência do resultado fiscal à meta anual. Segundo o 5º Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas, a estimativa de déficit em 2021 é de R$ 95,8 bilhões , valor abaixo da meta determinada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), de R$ 247,1 bilhões para o governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central).
Em que pese a reversão na trajetória das contas públicas, o Brasil tem hoje um elevado nível de endividamento em proporção ao PIB (81,5% em 2021, na expectativa do Boletim Focus), o que compromete a capacidade do governo de estimular a economia pela via dos gastos. Além disso, reformas estruturantes pautadas para este ano, capazes de reduzir as despesas primárias e de ancorar as expectativas do setor produtivo e de investidores do mercado financeiro, como é o caso da reforma administrativa, foram postergadas e não devem prosperar no próximo ano. Nesse sentido, e considerando que a tolerância mundial em relação à flexibilização da austeridade fiscal ficou restrita a 2020, o compromisso com o equilíbrio das contas públicas deve ser alcançado a fim de garantir a sustentabilidade da dívida, embora as medidas debatidas no Congresso Nacional estejam indo em linha contrária, ou seja, de ampliação de gastos.
Em termos de atividade econômica, o país mostrou avanço no início do ano. Os impactos econômicos da segunda onda da covid-19 foram menores que os de 2020. As medidas de isolamento impostas pelos governos (federal, estadual e municipal) foram menos restritivas que as adotadas no ano passado, e grande parte dos setores produtivos se encontrava mais preparada para operar em um ambiente de restrições sanitárias. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB no acumulado do ano até o terceiro trimestre cresceu 5,7%.
Entre o primeiro e o segundo trimestre do ano, a atividade agropecuária sofreu por conta das adversidades climáticas; a seca e a geada contribuíram para a queda do indicador do PIB do Agronegócio (Cepea/CNA), que engloba, além da própria agropecuária, as atividades econômicas ligadas ao setor, como os insumos, a agroindústria (de bases agrícola e pecuária) e os agrosserviços, que mostraram bom desempenho no ano. A previsão para fechamento de 2021 é de crescimento de 9,37% do PIB do Agronegócio, frente a 2020.
Esse resultado foi carregado principalmente pelos preços. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a agricultura expandiu sua área (4,7% para grãos) e utilizou maior volume de insumos, mas as intempéries climáticas derrubaram a produtividade (-6,1%) e o volume de produção. Compensando essa perda, os preços agrícolas avançaram em razão do câmbio depreciado e da demanda doméstica e internacional, impactando positivamente o resultado do indicador. Caso semelhante aconteceu no segmento de agrosserviços, que foi puxado pelos custos de transporte e logística, impactados pelos preços dos combustíveis e pela desestruturação dos modais de transporte e armazenamento no Brasil e no mundo.
No caso do segmento de insumos para o setor primário agrícola, houve aumento tanto em termos de valor, quanto de volume, sendo mais expressivo o impacto dos preços, puxados por fertilizantes, sementes, diesel, entre outros. A agroindústria também registrou crescimento nos preços e na quantidade produzida, refletindo, sobretudo, uma recuperação frente à forte queda registrada em 2020.
É importante destacar que o encarecimento de insumos e serviços ligados à agropecuária é catalizador dos bons resultados do PIB do Agronegócio, mas comprometem a rentabilidade do próprio setor, sobretudo, dos produtores rurais.
Outro importante indicador da dinâmica do setor agropecuário é o Valor Bruto da Produção (VBP). O VBP, que corresponde ao faturamento bruto dentro dos estabelecimentos rurais, considerando as produções agrícolas e pecuárias e a média de preços recebidos pelos produtores todo o país, deve alcançar R$ 1,20 trilhão em 2021, crescimento de 8,6% em relação a 2020. No ramo agrícola, o VBP deverá crescer 11,2% em relação ao último ano, alcançando R$ 792,0 bilhões. Na pecuária, o VBP deverá ser 3,8% maior do que o do ano anterior, alcançando R$ 406,2 bilhões. Os principais destaques para esse ano foram a soja, a carne bovina e a carne de frango, que, somados seus valores, representam 56% do VBP total da Agropecuária. A soja teve alta de 27,9% no VBP em relação ao do ano anterior, com recordes de preços e de produção. A carne bovina sofreu com o impacto da interrupção das compras chinesas, mas, ainda assim, deverá ter um VBP 4,3% maior em relação ao do último ano. A carne de frango teve grande aumento, 17,4% em 2021. O setor avícola foi influenciado pela falta de bovinos durante todo o ano. O encarecimento da carne bovina levou parte da população a substituí-la pela carne de frango, aumentando sua demanda.
O mercado de trabalho se deteriorou fortemente em 2020 e ainda não conseguiu se recuperar plenamente em 2021. Mesmo considerando o crescimento dos postos de trabalho no ano, ainda há um grande número de pessoas que não recuperou o emprego perdido na crise pandêmica. Importante ressaltar que a Agropecuária vem mantendo uma importante contribuição para o mercado de trabalho. Em 2020, na fase mais aguda da crise pandêmica, o setor registrou criação líquida de 36,8 mil vagas formais, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo CAGED, pós-revisão). De janeiro a outubro, já são 177,6 mil novos postos.
A inflação ao consumidor, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), iniciou o ano em 4,46%, no índice acumulado em 12 meses, e já alcança 10,67%. Segundo o Boletim Focus, o IPCA fechará 2021 em 10,18%, acima do teto da meta de inflação estipulado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para 2021, de 5,25% a.a., corroendo o poder de compra das famílias. Com isso, a meta Selic, determinada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, subiu, em janeiro, de 2% a.a. para 7,75% a.a., e deverá sofrer elevação adicional na última reunião do ano, que ocorrerá em dezembro. Na última expectativa do mercado divulgada até a elaboração deste documento, a taxa deve encerrar o ano em 9,25% a.a. O aumento da Selic eleva o custo dos financiamentos, impactando negativamente o consumo das famílias e o investimento nos setores produtivos.
Entre os fatores que provocaram a forte aceleração da inflação no ano, destaca-se a crise hídrica, dadas suas repercussões sobre o custo da energia elétrica. Com o agravamento da disponibilidade pluvial, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) decidiu por mudanças sequenciais na bandeira tarifária da conta de luz, culminando na determinação da bandeira de escassez hídrica, que acrescenta R$ 14,20 na conta de luz a cada 100 kWh consumidos. Com isso, a energia elétrica subiu 19,13% de janeiro a outubro de 2021 e 30,27% em 12 meses. Outro ponto de pressão no ano foi os preços dos combustíveis. As altas ocorreram tanto em razão da apreciação do dólar, como pelo aumento dos preços do petróleo. No acumulado do ano, os combustíveis subiram em 12 meses. O aumento mais expressivo tem sido sobre a gasolina (39,63% no ano e 45,26% em 12 meses), mas todos os demais combustíveis registraram aceleração em 2021.
No caso de alimentos, os preços do grupo vinham registrando arrefecimento nos primeiros meses de 2021 até junho, quando comparados a 2020, mas acabaram registrando aceleração a partir de julho em razão do impacto das geadas e da alta dos custos de produção. Mesmo com as condições climáticas prejudicando a produção de alimentos no ano, de janeiro a outubro, a alta em alimentos e bebidas (7,08%) ficou abaixo do índice geral (8,24%).
Além desses aspectos, a interrupção das cadeias produtivas no mundo inteiro, ocorrida em 2020, não conseguiu ser normalizada em 2021, e há perspectivas de que esses gargalos se arrastem até o início do segundo semestre de 2022. Com isso, o custo de insumos produtivos, o custo de transporte e logística, de máquinas e equipamentos, entre outros, sofreram aumento expressivo em 2021 e devem seguir pressionando negativamente os diversos setores da economia no próximo ano.
O comércio exterior foi um destaque positivo em 2021. A balança comercial registrou superávit de US$ 57,19 bilhões de janeiro a novembro de 2021. O saldo da balança comercial é resultado de um crescimento maior das exportações, em relação ao crescimento registrado pelas importações. Na comparação entre os onze primeiros meses de 2020 e 2021, o superávit da balança comercial de bens registrou crescimento de 20,5%.
O crescimento do valor das exportações brasileiras pode ser explicado pela alta de preços das commodities, que representam mais da metade (51%) da pauta de exportações, pela taxa de câmbio apreciada e pela recuperação da demanda global. De acordo com o Boletim Focus, o Brasil deve crescer 4,71% em 2021, enquanto o mundo deve crescer 5,9%, segundo a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI). China e Estados Unidos, os maiores parceiros comerciais do Brasil, devem crescer 8,0% e 6%, respectivamente, o que favorece as exportações do país.
Nos últimos meses do ano, outra questão vem aparecendo como um risco adicional ao desempenho econômico em 2021, mas principalmente em 2022. A credibilidade da política fiscal, ancorada principalmente no teto dos gastos, tem sofrido com as discussões sobre a flexibilização do arcabouço legal vigente. A PEC nº 23/2021, que trata das despesas com precatórios e mudanças nas regras do teto, tem repercutido negativamente no mercado doméstico e internacional, provocando instabilidade e mais incertezas sobre a evolução dos indicadores econômicos. É preciso ressaltar que, ainda que a PEC nº 23/2021 não avance, propostas como esta reduzem a confiança no compromisso com o ajuste fiscal, gerando impactos sobre o próprio crescimento econômico do país.